Estou cansada. E com razão.
- Luciana Tudeia
- 24 de jul.
- 3 min de leitura

O adoecimento silencioso das mulheres negras e a urgência do cuidado com sua saúde mental
“Você é forte.”
“Você aguenta.”
“Você sempre dá um jeito.”
Essas frases, muitas vezes tratadas como elogios, são na verdade expressões de uma lógica cruel: a da desumanização da mulher negra. Nesse sistema, ela não pode adoecer, não pode fraquejar, não pode parar. O resultado? Um corpo exausto, uma mente sobrecarregada, uma subjetividade invisibilizada.
Este artigo discute o adoecimento emocional das mulheres negras como consequência direta do racismo, do sexismo e da sobrecarga histórica imposta a essas mulheres — e afirma que o cuidado também é uma forma de resistência.
O “mito da fortaleza” e a negação da dor
Desde os tempos coloniais, o corpo da mulher negra foi visto como instrumento: para o trabalho, para o cuidado de outros, para a exploração. Essa narrativa deu origem ao mito da mulher negra forte, que sustenta a ideia de que ela pode suportar tudo — sem se abalar, sem precisar de apoio.
Como alerta Patricia Hill Collins, em Black Feminist Thought, essa imagem produz uma falsa noção de resistência, que não reconhece a dor como legítima e não permite vulnerabilidade.
A psicanalista Neusa Santos Souza, ao estudar o sofrimento psíquico de pessoas negras, pontua que a negação da dor pela sociedade e por si mesmas leva ao adoecimento. Ela escreve:
“Ao ser obrigada a adaptar-se a um ideal branco de humanidade, a pessoa negra aprende a desconfiar da própria dor, a esconder sua ferida.”
Cansaço, sobrecarga e adoecimento: um combo racializado
Esse adoecimento não acontece por fragilidade, mas por acúmulo de violência:
Microagressões no ambiente de trabalho;
Racismo obstétrico nos serviços de saúde;
Desigualdade no cuidado doméstico;
Solitude afetiva e invisibilidade nos relacionamentos;
Culpabilização materna;
Solidão nos espaços acadêmicos e profissionais.
A psicóloga norte-americana Joy DeGruy nomeia isso como Síndrome do Pós-Traumático da Escravidão — os efeitos psíquicos da escravidão transgeracional que ainda se manifestam em corpos negros exaustos, hipervigilantes e adoecidos.
“Estou cansada de ser forte”
Essa frase não é desabafo — é denúncia. A escritora bell hooks, em Tudo Sobre o Amor, denuncia como as mulheres negras foram treinadas a cuidar dos outros, mas raramente ensinadas a cuidar de si. Isso cria uma cisão entre o corpo e o afeto, entre a necessidade e a permissão para receber cuidado.
Nas palavras de hooks:
“O autocuidado, para mulheres negras, é um ato político de ruptura com o sistema que insiste em nos explorar.”
Romper com o mito da fortaleza é, portanto, ato revolucionário. Reconhecer o cansaço é permitir a cura. Nomear a dor é iniciar a libertação.
A importância de uma escuta racializada
A escuta clínica, quando racializada, não patologiza a mulher negra. Ela reconhece que sua dor é real, legítima e socialmente construída. Ela entende que o choro não é fraqueza, que a raiva não é exagero, que o silêncio não é apatia — são formas de sobrevivência.
Na clínica afrocentrada, o acolhimento acontece com escuta atenta às marcas da raça, do gênero, da classe. Porque, como diz Sueli Carneiro, “o silêncio é uma forma de morte simbólica”.
Cuidar de si para continuar viva
Fazer terapia com uma profissional negra pode significar:
✔️ não precisar explicar a dor desde o começo;
✔️ sentir-se validada;
✔️ poder desmontar sem medo de julgamento;
✔️ aprender a colocar limites e dizer não.
Cuidar de si é reconectar-se com a ancestralidade, com o corpo, com a vida que deseja e merece viver.
Cuidar de si é sair da sobrevivência e entrar na possibilidade de vivência plena.
O cansaço das mulheres negras é coletivo, ancestral, real. Mas a resistência também é. A escuta, o descanso e o cuidado não são luxo — são estratégias de continuidade da vida negra.
É tempo de parar de romantizar a força.É tempo de valorizar o descanso.É tempo de afirmar: “estou cansada” é também um grito de liberdade.
Referências bibliográficas
hooks, bell. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. Elefante, 2020.
Souza, Neusa Santos. Tornar-se negro. Graal, 1983.
Collins, Patricia Hill. Black Feminist Thought. Routledge, 2000.
DeGruy, Joy. Post Traumatic Slave Syndrome. Uptone Press, 2005.
Carneiro, Sueli. Escritos de uma vida. São Paulo: Companhia das Letras, 2023.








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