Cansaço racial tem nome — e precisa de cuidado
- Luciana Tudeia
- 23 de jun.
- 2 min de leitura
O adoecimento psíquico da população negra não é fragilidade — é exaustão acumulada por séculos de resistência.
O corpo negro que adoece não o faz por acaso. A cada vez que se silencia diante de uma microagressão, que precisa se provar mais competente, mais educado, mais “aceitável”, ele carrega uma carga psíquica que não é apenas individual — é coletiva e histórica. Esse esgotamento emocional tem nome: cansaço racial. E ele não pode ser tratado com fórmulas genéricas. Requer uma escuta clínica racializada, sensível às violências cotidianas que atravessam a existência negra.
“Não é só estresse”: o peso invisível do racismo cotidiano
bell hooks, em Tudo Sobre o Amor, alerta que o amor verdadeiro precisa nascer do cuidado. No entanto, pessoas negras foram ensinadas — e forçadas — a sobreviver sem cuidado. O cansaço racial não é apenas sobre estar cansado. É sobre viver sob vigilância constante, insegurança crônica e a necessidade permanente de performar normalidade em um mundo que insiste em nos desumanizar.
Esse tipo de exaustão não encontra lugar em clínicas que tratam o sofrimento negro como disfunção ou exagero. Neusa Santos Souza nos lembra que o sujeito negro é, muitas vezes, tratado como alguém que precisa “se ajustar” — quando, na verdade, é o mundo que precisa mudar.
Como o racismo impacta a saúde mental?
De forma concreta e devastadora:
Ansiedade racializada: medo constante de ser alvo de discriminação, humilhação ou violência.
Síndrome do impostor: sentimento crônico de inadequação, mesmo diante de conquistas legítimas.
Autoimagem distorcida: como diria Kabengele Munanga, a identidade negra é frequentemente construída a partir do olhar do outro — e esse olhar costuma ser racista.
Isolamento afetivo: pela falta de espaços seguros de escuta e pertencimento.
Essas condições não são apenas efeitos colaterais do racismo. São evidências de que o racismo adoece.
O papel da psicanálise afrocentrada diante do cansaço racial
A clínica afrocentrada é um espaço que reconhece o racismo como agente estruturante do sofrimento psíquico da população negra. Aqui, o objetivo não é neutralizar a dor, mas dar nome a ela. Não é silenciar a revolta, mas compreendê-la. Não é sugerir adaptação, mas criar caminhos de afirmação.
Sueli Carneiro propõe, em sua luta teórica e política, que o conhecimento precisa ser posicionado. E isso inclui o conhecimento clínico. Uma escuta que compreende o que é viver com medo de ser confundido com suspeito, com medo de ser silenciado no trabalho, com medo de “exagerar” ao denunciar o racismo — é uma escuta que liberta.

Quando o cuidado é radical, ele também é coletivo
O sofrimento individual da população negra está ligado ao coletivo. Ao cuidar de si, a pessoa negra também reconstrói memórias, vínculos, narrativas. Cuidar da saúde mental é reconhecer que a nossa dor não é invenção — e que merecemos descanso, afeto e existência plena.
Cansaço racial não é um sintoma isolado. É o retrato do quanto ainda precisamos transformar esta sociedade. Mas ele também pode ser um ponto de partida: para o autocuidado, para a reconstrução de subjetividades e para o fortalecimento de uma identidade negra que não se define pela dor, mas pela resistência e pelo afeto.
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